Seguindo com a série falando sobre os desafios do puerpério e trazendo um relato mais pessoal para compartilhar os “perrengues”, sem dúvida alguma, o mais difícil para mim foi lidar com a privação e restrição do sono durante esse período.

Eu, inocente antes da maternidade, achava que isso não seria uma questão que pesaria, já que sempre fui produtiva à noite e era de trabalhar e estudar bem madrugada adentro na pós-graduação. Mas o quanto errada eu não estava, não é mesmo? Já dizia Compadi Washington… “sabe de nada, inocente”. Todas as alegações feitas sem vivência ficam realmente sendo uma inocência quando nos tornamos mães.

Uma coisa é perder o sono estudando para uma matéria, uma prova, ou até por uma festinha, duas vezes na semana e trabalhar normalmente quando se tem lá seus 18 anos. Outra coisa, é emendar dias, semanas e meses num verdadeiro acorda-dorme picotado sem prazo para terminar no puerpério.

Uma coisa muito clara é que tudo se torna mais fácil para o ser humano encarar desafios quando sabe que há rotina, previsibilidade e prazos para iniciar e finalizar o tal perrengue. Por exemplo, um atleta sabe que o esforço dele em uma maratona tem uma linha de chegada. Um sprint. O último fôlego na subidinha da Dr. Arnaldo aos 45 do segundo tempo. Mas quando se está acordada com um recém-nascido madrugada adentro há semanas dormindo mal… os dias parecem não ter fim por mais que você saiba que será uma fase difícil.

Já falei sobre o papel do sono na regulação da saúde física e mental do ser humano. O sono é reparador e tamanha sua importância. Ainda hoje é usado como estratégia de guerra para enlouquecer e enfraquecer inimigos. Acesse a matéria do ano passado que adentro o tema e trago orientações práticas sobre boas posições para dormir melhor.

Uma noite de sono perdida jamais é recuperada. Agora imagine o impacto de noites sucessivas sem dormir ao longo de 2-3 anos? O que pode ocorrer com uma mãe de recém-nascido que passa por fases de privação do sono (não dormir) e de restrição do sono (duração reduzida)  —aquele sono em que a pessoa acorda de hora em hora, e não deixa o corpo entrar no estágio REM (fase de relaxamento e desligamento). 

 

“Você está tão diferente, tão nervosa”

Nessa fase muitos casais acabam não se reconhecendo em seus novos papéis e versões de pais, o que pode sim gerar atritos. Geralmente, a mulher acaba sendo comparada a sua versão pré-maternidade, o que não faz sentido algum —convenhamos — e pode só piorar a situação. Mulheres que passaram por isso irão entender! Por isso, respaldadas de mais explicações biológicas, sociais e emocionais podemos ajudar pessoas a desenvolver mais empatia nessa fase.

A mulher enfrenta todas as dificuldades físicas, lida com expectativas e ainda precisa gerenciar a sensação de cansaço e fadiga excessiva. Quem dorme mal sente todos os efeitos do aumento da atividade do sistema nervoso simpático, há o aumento da pressão arterial e de marcadores pró-inflamatórios e cortisol que se sobrepõem às dificuldades e desafios da nova rotina de um maternar. 

 

O papel do sono na “cabeça da mãe”

O sono adequado permite a remoção de resíduos metabólicos desnecessários do cérebro. Pense no sono como o momento da limpeza, e de um maior fluxo sanguíneo para a manutenção do sistema cognitivo. Por isso, sem um sono adequado há  a redução da eficiência cognitiva, piora da atenção e redução do limiar de tolerância às dores. Além é claro, de alteração do humor, lentidão da memória e do raciocínio —olha o brain fog das mamães – redução da capacidade motora e da atenção. Inclusive, há até uma maior chance de se acidentar, tropeçar, etc. 

Mas o que mais impacta claramente é que altera inclusive a capacidade da mãe gerenciar as emoções e, não menos importante, traz uma constante sensação de esforço e fadiga, reduzindo a ação do sistema imunológico e da libido. Isso é, há de fato justificativas fisiológicas suficientes do porquê uma mãe cansada e sobrecarregada fica “diferente”. 

 

O quanto deveríamos dormir? 

Lembram que comentei no início dessa série de matérias que toda puérpera deveria ser considerada e tratada como uma atleta? Pois bem, inclusive esse tratamento se estende ao sono. Assim como os atletas de elite dormem de 10 a 12 horas por noite (e ainda cochilam para manter sua resistência), fica aqui meu relato que toda mãe deveria ter o direito de fazer o mesmo pensando nas condições fisiológicas do corpo. Pausa, para a realidade —raramente uma mãe consegue realizar esse feito. Mas quem dera que todas as mães conseguissem dormir como uma super atleta, não é? Tenho certeza que o puerpério seria mais leve, todas seriam um pouco mais dispostas, teriam um super bom humor e talvez passassem por esse período e todos os desafios sem tantas dificuldades. 

Lembro que no auge do meu puerpério. Recorria a tudo e a todos! Na época, ouvia mães na mesma fase que tinham nenéns que dormiam lindamente muitas horas seguidas como bebês de novela. E, claro, tentei rever o que fazia pois acreditava que estava fazendo algo errado.

Umas confidenciaram que davam fórmula para o bebê não acordar, outras relataram que a chupeta foi a salvação das noites, outras diziam que era hora de mudar o ritual do sono… e ouvi dizer que era pra benzer, ou que eu deveria procurar ajuda porque era resultado da minha ansiedade ou criança interior não resolvida… que fazendo terapia eu poderia acolher o recém-nascido para ele dormir melhor.

Juro que tentei de tudo! De cursos para rotina de sono, Shantala e banhos com óleos relaxantes, reza brava e tudo o que a ciência dizia e não dizia ser eficaz. Tentei até virar o galo de cabeça para baixo —pois uma paciente disse que assim ele não cantaria de madrugada e o bebê não acordaria.

Hoje dou risada. Mas não me esqueço do desespero nas noites mais difíceis. Sabe a sensação de escutar o choro, olhar o relógio e ver que não havia nem 30 minutos que você colocou o bebê no berço e ele já acordou novamente para mamar? Nem todas as mães passam ou passarão por isso, então nunca tome como uma verdade que vai acontecer  exatamente com você também, ok?!

E caso aconteça, vale a pena tentar diferentes estratégias para melhorar! Claro que, para isso, conte com uma equipe da área de saúde e fale sempre com sua pediatra! Há todas as questões relacionadas à maturidade do relógio biológico que se desenvolve ao longo das semanas para esse novo serzinho. Há também a adaptação à rotina da família estabelecendo a hora de dormir. Mas no meu caso, não era só sobre a biologia do sono do bebê, pois se estendeu bastante as madrugadas em claro. Ah, e calma, tivemos muitas fases. A fase de cólicas, de refluxo, gases, dentes, vacinas, picos de desenvolvimento… da escolinha. E de fato hoje, ela já dorme “quase” a noite toda, “quase” sempre —atenção ao “quase”!

Lembrando que tenho que confessar que no meu caso nada resolveu a não ser aguardar o tempo passar, ter uma rede de apoio me permitindo tirar sonecas à tarde e uma escala com o pai na divisão de cuidados madrugada adentro que começou a fluir melhor.

Vai passar —sem querer ser clichê, saiba que vai passar! Mas para isso, vale se munir de informações realistas, lidar com expectativas e contar com sua rede de apoio! 

Vídeo sobre posições para dormir com informações da fisioterapeuta ortopédica e osteopata.

Um guia do que não fazer no puerpério da mulher.

 

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.